mulher fantástica
mulher excepcional
narrativa
Tsadoc-Moshé morava na casa de um certo Samuel-Nahum que era um homem muito sábio e um judeu temente a D’us. Era um grande sábio da Torá que, além dos seus amplos conhecimentos, era um perito em matéria de comércio.
Apesar de nunca ter se consagrado diretamente aos negócios, ele os entendia tão bem que se tornou árbitro de todos os litígios comerciais e conselheiro jurídico dos homens de negócios com problemas. Na realidade, esta era sua maneira de ganhar a vida.
Samuel Nahum tinha uma filha chamada Débora que era a única sobrevivente dos seus muitos filhos, todos, infelizmente, mortos na infância. Entendemos com facilidade o que Débora representava para seus pais! Eles a ‘incubavam’ literalmente!
Temiam tanto que ela viesse que sofrer a mesma sorte dos coitados dos seus irmãos e irmãs que pensavam em quaisquer coisas suscetíveis para protegê-la.
Faziam muita tsedacá em seu nome e a cada ano, no seu aniversário, faziam doação de madeira nova ao responsável pelo cemitério, para que ele reforçasse a barreira que o envolvia.
Também ‘deram’ virtualmente Débora a um casal de amigos idosos para que a ‘adotem’. Este casal tinha muitos filhos, todos vivos, e os pais de Débora esperavam que sua vida também fosse salva graças às ‘suas ligações’ com esta família.
Débora era uma criança dotada, seus parentes a adoravam e só viviam para ela. Seu pai começou a instrui-la enquanto ainda era uma criança de cinco anos. Ela fez maravilhosos progressos e com oito anos aprendia já Chumash e os Profetas!
Com dez anos, tinha um conhecimento profundo da Torá inteira e começou a aprender a Mishna e o Shulchan Aruch. Além do mais, seu pai lhe ensinou a ler e a escrever polonês e também matemática.
Samuel Nahum não queria confiar sua instrução a nenhum professor. Preferia supervisionar ele mesmo os seus estudos.
E podia, com justiça, orgulhar-se da sua aluna e do seu ensino, já que com a idade de quinze anos, ela estudava Guemara com Rashi!
Aos dezoito anos ela casou com um jovem muito distinto, filho de um conhecido e respeitado judeu de Minsk e viveu feliz com ele durante dez anos durante os quais seu marido ganhava muito bem a vida graças aos seus negócios. Débora era uma esposa feliz e uma mãe feliz. Ela se sentia feliz por ter um marido tão afetuoso e filhos também adoráveis, duas filhas e um filho.
Depois, a tragédia se abateu totalmente na sua vida e se não fosse pela sua enorme coragem e seu espírito indomável, ela nunca teria podido ultrapassá-la como o fez.
As duas filhas de Débora morreram durante uma epidemia que atingiu as crianças do distrito e, para aumentar a sua dor total, seu marido ficou seriamente doente morrendo, ele também, no mesmo ano.
A pobre viúva, levando seu filho órfão, se retirou para a casa dos pais mas a morte parecia decidida a persegui-la, porque três anos depois, o único filho que lhe havia sobrado ficou doente e seguiu suas duas irmãs para o túmulo!
Outra mulher em seu lugar teria certamente perdido a razão; afinal ela havia perdido praticamente todos os que lhe eram queridos. Para que viver daqui em diante?
Ela se esforçou para esconder sua dor dos pais, que estavam com o coração quebrado com seu sofrimento. Ela se mostrava calma na presença deles e quando sentia que o esforço era muito duro para ela, ia para seu quarto e se deixava envolver pela tristeza, num dilúvio de lágrimas e soluços.
Era uma mulher sábia e entendeu que devia se refazer e ver o que poderia fazer futuramente para levar uma vida útil e justificar sua existência de verdade.
Mergulhou mais do que nunca no estudo e nas obras sociais.
Ela implorou ao Todo-Poderoso para guiá-la no caminho reto e O suplicou lhe outorgasse força e sabedoria para ensinar tudo o que tinha tido a sorte de aprender dos pais, às suas irmãs judias de Minsk. Dessa maneira não se sentiria tão solitária e inútil.
Débora tinha duas amigas de infância que também tinham estudado como ela mas que não eram tão brilhantes. Agora, todas as três, adultas, tinham o costume de se reunir para estudar juntas a Torá. Instituíram círculos de estudo entre as jovens mulheres judias de Minsk e fizeram conferências para elas ensinando todas as obrigações de uma verdadeira filha de Israel.
Estes círculos se tornaram tão populares e tomaram uma extensão tal que Débora estava muito ocupada, dando conferências aqui e lá, em todos os lugares. Era uma excelente oradora e era um prazer ouvir sua voz límpida, comovente e sua explicação clara.
Débora encontrava grande consolo no seu trabalho já que, ajudando os outros, acalmava ao mesmo tempo a pena do seu coração dolorido.
Nesta época, estudava os seguintes três livros: Jó (Iiov), Eclesiastes (Cohelet) e os Provérbios (Mishlé).
No Livro de Jó, Débora aprendeu aquilo relacionado com o julgamento e o castigo de D’us.
O Eclesiastes lhe mostrou a vaidade do mundo e dos assim chamados prazeres humanos.
O Livro dos Provérbios ensinou-lhe a vida espiritual verdadeira.
Ela conhecia esses três livros com todos os seus comentários e realizou que podia estudá-los continuamente e sempre encontrar neles algo novo e importante.
Tsadoc-Moshé se encheu de admiração por essa extraordinária mulher, tão cheia de coragem e de entusiasmo pelo bem e pelo progresso dos seus semelhantes, esquecendo suas próprias tragédias e se associando às esperanças e às ambições dos outros.
Ele sentia que ela seria a companheira ideal para seu mestre, o ermitão Nahum , mas como poderia colocá-los um na presença do outro?
Duas semanas antes da sua partida de Minsk, Tsadoc-Moshé tocou no assunto com seu anfitrião, o pai de Débora.
Ele falou extensamente sobre seu patrão, dizendo o homem extraordinário que era e, na sua opinião, o bom marido que seria para Débora. Ele disse que, naturalmente, precisaria antes falar com Nahum para poder discutir o assunto; mas já que estava aqui, ele achava que seria bom conhecer a opinião de Samuel-Nahum com respeito a esta sugestão.
Samuel Nahum estava muito interessado mas disse que seria necessário consultar Débora antes de fazer qualquer proposta a Nahum .
Quando se tocou no assunto com Débora, esta foi razoável. Ela disse que estava curiosa de encontrar Nahum já que ele parecia tão extraordinário, mas que não se poderia esperar dela um compromisso para dizer sim ou não com respeito a aceitá-lo como esposo antes de tê-lo visto!
Na verdade, dizia Débora, contrariaria a Torá se comprometer numa promessa de casamento antes de ter se visto mutuamente. Ela demostrou sua erudição argüindo que a proibição expressa pelo Talmud, de fazer um noivado sem ter visto a futura esposa, se baseava no temor que depois o noivo poderia reclamar por um defeito físico da sua noiva, quando a visse, e desta maneira, comprometeria o bom entendimento do lar; ora isso se opõe de maneira flagrante ao mandamento do versículo: “Amarás o próximo como a ti mesmo”. Como este versículo não constitui uma Mitsva a ser cumprida num momento preciso, se dirige tanto à mulher quanto ao homem. Portanto não há nenhuma razão para que a proibição não se aplique tanto para a noiva, que não tem o direito de se comprometer numa união antes de ter visto o outro parceiro, quanto para o noivo.
Seu pai, por outro lado, lhe respondeu, citando Maimônides, que a expressão usada contra as uniões feitas sem entrevista não era uma expressão de proibição total mas sim apenas um conselho. Se você quer que tua união seja um sucesso, diz o Talmud, então não te comprometa antes de ter tido uma entrevista.
Mas Débora refutou a afirmação do pai, provando que na verdade o Talmud se referia à proibição e não somente a desaconselhar um noivado sem entrevista. Ela citou o Talmud que insiste nas graves conseqüências que uma união feita dessa maneira poderia ter.
Resolveu-se então que não se falaria de casamento mas que se marcaria um encontro entre Nahum e Débora.
Tsadoc-Moshé, que não era um grande sábio mas tinha instrução suficiente para acompanhar a discussão entre Débora e o pai, ficou cheio de admiração diante da extensão do seu saber.
Foi assim que Tsadoc-Moshé partiu de volta para Vitebsk, cheio de entusiasmo com a idéia do encontro entre Nahum e Débora. Ele descreveu Débora a Nahum em termos tão cálidos que este último aceitou ir a Minsk para conhecer esta extraordinária mulher.
A visita ocorreu e Nahum e Débora se acharam dignos um do outro. Eles noivaram e pouco tempo depois casaram.
Tsadoc-Moshé sugeriu que Débora se encarregue dali em diante dos negócios e das contas do seu marido e Nahum disse que concordava com prazer se Débora o quisesse. Ele estava contente demais com que não lhe pedissem para passar o tempo ocupando-se dos seus negócios.
Débora se revelou rapidamente uma mulher de negócios muito capaz, que sabia calcular e, principalmente, que fazia prova de uma grande compreensão com respeito aos seus empregados. Todos a adoravam pelas maneiras amigáveis e pelo interesse que demostrava por eles.
Evidentemente Débora tinha o maior respeito e a maior estima pelos estudantes da Torá mas nos seus relacionamentos com seus semelhantes ela não fazia nenhuma distinção e tratava todo mundo, sábio ou não, rico ou pobre, com respeito e benevolência.
No espaço de alguns meses ela tinha se afirmado como chefe à cabeça dos negócios do marido mas além disso ela tinha conquistado um bom nome na área da instrução judaica tanto entre os homens como entre as mulheres. Mas é claro que ela concentrava seus esforços mais especialmente nas mulheres, que precisavam muito mais dela.
Ela estava tão acostumada com o fato das mulheres de Minsk serem instruídas que a ignorância assustadora das mulheres de Vitebsk a chocava profundamente. Ao mesmo tempo, esta ignorância despertava nela um sentimento de compaixão quando constatava que durante tanto tempo elas tinham sido tão lamentavelmente negligenciadas. Débora decidiu mudar esta deplorável situação tão logo fosse possível e começou a organizar círculos de estudo para as mulheres como o havia feito em Minsk. Ela chamou também a atenção sobre a falta de instituições destinadas a ocupar-se com os doentes e os necessitados e mostrou o exemplo no que diz respeito à sua fundação e manutenção.
Certamente ela estava muito ocupada e levava uma vida realmente bem cheia!
Um dia falou disso com o marido, mas ele respondeu suavemente:
- Minha querida esposa, estou certo que você resolve perfeitamente os problemas sem a minha ajuda, então porque me imiscuir agora com esses assuntos materiais? Você sabe que acho que meu dever reside no estudo e na oração e não há lugar para nada mais numa vida dessas.
Mas Débora não queria parar por aí e começou a citar exemplos de todos os grandes Tanaim e Amoraim, que encontravam tempo para se ocupar dos seus interesses materiais tanto quanto dos interesses espirituais.
- Querido Nahum , você certamente sabe o que está escrito em Taanit, página 9, com respeito ao Rabino Daniel Bar Catina, que ia todos os dias para o seu jardim para controlar o programa de jardinagem do dia. Lembra também que em Nedarim, pág. 62, nos falam do Rav Achi que fazia comércio mesmo com os adoradores do fogo. E explicava que não era contra o Din.
Débora citou o caso de muitos Tanaim e Amoraim, que amassaram fortunas ou as receberam como herança e terminou seus argumentos referindo-se à palavra dos nossos Sábios dizendo que “a Torá sem o trabalho não conduz a nada”.
Mas Nahum disse que seu mestre, o grande Parush de Cracóvia, afirmava que a palavra “trabalho” significava “serviço” do Todo-Poderoso. Nahum suplicou-lhe que admitisse que seu modo de vida era o certo e que o deixasse continuar vivendo como antes. Entretanto Débora insistiu porque acreditava firmemente que o marido devia ocupar-se de certa maneira com coisas mais materiais e viver uma vida mais completa. Tentou abordá-lo sob outro angulo.
- Então escuta, você sabe se está cumprindo ou não a Mitsva de dar o Maasser (o dízimo) em esmolas? Você deveria verificar as contas, já que somente dessa maneira vai poder descobrir.
Nahum precisou admitir que nunca o tinha feito, contentando-se em dar esmolas ao azar. Ele objetou que isso levaria muito tempo e que ele não poderia se permitir fazê-lo, se fosse realmente preciso calcular o valor exato do “Maasser”.
Débora assegurou-lhe que tinha feito as contas, que estas estavam absolutamente em dia, e que com muito pouco trabalho eles poderiam conseguir saber os valores que Nahum havia dado como esmola desde que tinha herdado a fortuna do pai e a quantia que deveria ter sido dada.
Nahum ficou não apenas surpreso de constatar que sua esposa era um chefe com uma enorme capacidade para os negócios, como também aturdido pelo seu extenso conhecimento da Torá! Cada vez ele se dava mais conta do tesouro que representava para ele uma esposa assim e seu respeito e sua admiração por ela cresceram enormemente.
Agora que ele pensava nela e no lugar que ela ocupava, se dava conta também da mudança que tinha resultado da sua chegada, não somente na sua própria casa, que tinha se tornado um verdadeiro “centro de acolhida e conselho dos Sábios”, como também em Vitebsk em geral, onde sua influência era sentida e apreciada em todas as áreas de atividade social e de instrução!
O que ele ignorava era que Débora encontrava tempo para estudar o Talmud todos os dias e que ela já estava estudando o “Shass” pela segunda vez!
***
Em 5414 (1654) estourou a guerra entre a Polônia e a Rússia. Os combates transcorreram na região compreendida entre Vitebsk e Smolensk e duraram treze anos!
Durante este período os comerciantes de Vitebsk se ocuparam em fornecer ao governo tudo que era necessário para vestir e alimentar o exército. Em 5427 (1667) o General Sheremetiev ocupou Vitebsk prendendo a maioria dos comerciantes e deportando-os para o interior da Rússia.
Foram mantidos presos durante três anos antes de serem libertados e mandados de volta finalmente para seus lares.
Mas nada, nem mesmo esta longa guerra, tinham afetado Vitebsk e sua comunidade judia tanto quanto a chegada de Débora.
Quando ela chegou, encontrou a prosperidade material mas a decadência espiritual. Entre as mulheres particularmente, tinha encontrado um nível espiritual muito baixo.
Mas agora o quadro era tão diferente! Ela havia organizado estabelecimentos para o ensino da Torá, instituições de caridade e centros para a propagação da instrução judaica.
Débora viu que todos seus esforços para tirar o marido do seu retiro tinham sido em vão e decidiu portanto que não poderia fazer nada além de aceitar a situação com a maior boa vontade possível. Depois de tudo, ela reconhecia e considerava excepcionalmente elevadas as qualidades morais do seu santo marido.
Nestas circunstâncias entendeu e aceitou o fato dele passar menos tempo com ela que os outros maridos com suas mulheres; mas ela sabia como usar da melhor maneira seu lazer.
Havia na biblioteca do marido uma coleção maravilhosa de livros que tinham sido transmitidos de pai para filho por várias gerações; quando tinha tempo, Débora ia lá e procurava entre os livros um que chamasse sua atenção. Havia todo tipo de livros sobre todos os assuntos possíveis e, com sua sede de saber, sede que nunca podia ser saciada, Débora era a pessoa mais feliz do mundo quando a deixavam no seu ‘festim’ literário!
Débora sentia que estes tesouros literários do marido valiam mil vezes mais que tesouros materiais. Sim, Débora era uma mulher feliz.
Como já o dissemos, as principais atividades de Débora eram dedicadas às mulheres judias de Vitebsk. Em primeiro lugar, ela apelava para seus corações, bons e femininos, e lhes pedia ajuda para as várias obras de caridade.
Elas estavam prontas para ajudá-la de bom grado estabelecendo organizações e instituições caritativas. Isto permitia que Débora tivesse mais oportunidades de também influenciá-las em outras direções.
Todas as mulheres a aceitavam como chefe e guia, reconhecendo suas qualidades e seus dons superiores.
Assim, quando se reuniam, Débora usava a ocasião para entretê-las também sobre assuntos religiosos. Ela lhes contava histórias do Midrash, provérbios dos nossos Sábios, “Dinim” com particular interesse e significado para a mulheres e elas a escutavam pronta e avidamente, já que Débora tinha um maravilhoso poder eloqüente e era um verdadeiro prazer escutá-la! Ela lhes falava com simplicidade e todas a entendiam sem dificuldade. Nesta época existia já um “Taitsh-Chumash” (Chumash, lei de Moisés, com tradução em Idishe), impresso especialmente para as mulheres, e Débora lia trechos do mesmo, estimulando-as a fazê-lo por elas mesmas.
Mas Débora não se contentava com ocupar-se de uma só parte da comunidade judaica. Sua ambição era ver toda Vitebsk se tornar um centro de ciência judaica. E por que não? Era apenas uma questão de tempo para que Vitebsk se tornasse tão “literária” quanto Minsk ou quanto qualquer outra cidade judia célebre.
Desde a infância Débora recordava ter visto estudantes de Ieshivot que vinham comer “Teg” (as refeições diárias” na casa dos seus pais e depois ela manteve este costume na própria casa. Mas em Vitebsk, só tinha uma pequena Ieshiva, mais ou menos reservada para os estudantes locais, e não se considerou necessário introduzir esta prática e, mesmo sentindo a necessidade de fazê-lo, as pessoas de Vitebsk não estavam acostumadas com uma organização dessas.
Débora decidiu que seria bom para os Judeus de Vitebsk que fizessem essa inovação, que ensinava as virtudes da hospitalidade, e falou disso com o marido para ver qual seria o melhor plano para a campanha.
Pensando que a caridade deve começar em casa, e que eles deveriam dar o exemplo, ela sugeriu que o marido escolhesse cinco ou seis jovens entre os estudantes da Ieshiva local e que os mandasse a uma das Ieshivot famosas, de Cracóvia ou de Praga. Lá ficariam por conta dele até que sua instrução alcançasse um nível bem elevado para poderem voltar a Vitebsk onde dariam aos estudantes o benefício da sua instrução e do seu saber superiores. Eles seriam os pioneiros de uma geração de homens instruídos da Torá.
Como isso exigiria, evidentemente, alguns anos, Débora propôs que Nahum designasse alguém que iria às maiores e mais célebres Ieshivot de Minsk, Slutz, Brisk e Wilno para lá escolher mestres adequados e dispostos a ir instalar-se em Vitebsk com suas mulheres e filhos, com a condição de aceitarem morar e ensinar nos distritos para onde fossem indicados.
A finalidade que se procurava era que todo o território estivesse coberto e que a instrução religiosa de toda a comunidade fosse assegurada.
Nahum consentiu de bom grado e nomeou Rabi Moshé, filho de seu antigo mestre, o santo Gaon Iecutiel-Zalman de Cracóvia, como a pessoa mais indicada para escolher os professores necessários.
Nahum informou a Rabi Moshé que ele assumia todas as despesas, inclusive a manutenção dos mestres e de suas famílias durante sua permanência em Vitebsk. Entretanto, estipulou que não deveriam saber que era Nahum que pagava seus salários. Ele preferia ser seu benfeitor anônimo.
E, prosseguiu Nahum , se houvesse em Vitebsk gente que quisesse contribuir nas despesas de instrução, podia aceitar-se seu dinheiro e distribuí-lo para as obras sociais.
Ele queria de qualquer maneira assumir, ele sozinho, as despesas desta realização.
O projeto levou muito tempo e reflexão antes de ser levado adiante, como era de se esperar, e só uns nove meses depois é que Rabi Moshé acabou a sua missão e voltou a Vitebsk com dez mestres que respondiam às exigências formuladas por Nahum e Débora.
A chegada desses mestres acabou atraindo para Vitebsk outros estudantes entres os quais encontrava-se um certo Rabi Efraim-Simcha.
Finalmente se podia ouvir em toda a cidade de Vitebsk os suaves acentos da Torá. Organizaram-se “Shiurim” de modo a permitir àqueles que queriam assistir a eles, que o fizessem sem se deslocar muito. Os horários eram também estabelecidos de maneira cômoda.
Tudo era feito para encorajá-los, e os judeus de Vitebsk começaram a freqüentar os “Shiurim”, um a um, depois progressivamente as gotas se transformaram em rios e os “estudantes” se interessavam cada vez mais pelas aulas.
Rapidamente, os habitantes de todas as idades, jovens e velhos, acharam totalmente natural reunir-se para ouvir “uma palavra da Torá”. O sonho de Débora de fazer de Vitebsk um centro de Torá se transformava progressivamente numa magnífica realidade!
Tudo isso ocorreu em menos tempo do que requer escrevê-lo.
Havia dez anos que Débora havia falado desse projeto com seu marido pela primeira vez e a transformação de Vitebsk era muito clara.
Apesar de Nahum estar pouco disposto a mudar seus costumes, ele também tinha sido influenciado pela energia da mulher. Pouco a pouco ele tinha saído do seu isolamento, começando a se interessar pela vida que se desenrolava ao seu redor.
Eram os professores chegados das diferentes Ieshivot, que tinham despertado seu interesse em primeiro lugar. Ele passou a se encontrar com eles e a discutir assuntos da Torá. Isso parecia dar um fim em certa medida ao seu período de isolamento. Nessa época, ele até queria estar a par dos assuntos referentes aos seus negócios!
Débora estava encantada acolhendo esses talmudistas em sua casa e vendo a que ponto Nahum tinha prazer na companhia deles e era feliz participando dos “Pilpulim” aos quais se entregavam.
***
Foram anos verdadeiramente felizes para Nahum e Débora, mas sua felicidade era encoberta pela ausência de filhos. Se tivessem pelo menos um filho para continuar seu nome, como teriam sido felizes! Eles avançavam na idade e suas esperanças iam se reduzindo.
Enquanto isso, receberam um hóspede muito particular. Nada menos que o célebre sábio e especialista em Cabala, Rabi Moshé-Guershon, discípulo do Gaon Rabi Eliahu, que era conhecido nesta época com o nome de “Baal-Shem de Worms”.
Durante muitos anos o Rabi Moshé-Guershon havia estudado com o famoso Rabi Pinchas, em Fulda, na Alemanha.
Nahum ficou verdadeiramente emocionado recebendo uma visitante tão distinta e procurou todas as oportunidades para discutir com ele assuntos de Torá.
Encontraram muitos assuntos de conversa e Nahum se sentia tão atraído por ele que podia lhe falar sem nenhuma reserva.
Foi assim que chegou a confiar-lhe os segredos mais íntimos do seu coração e lhe falou da tristeza que nunca antes havia revelado a pessoa alguma, o fato de não ter filhos.
Rabi Moshé-Guershon o escutou com grande compreensão e lhe disse, com bondade: “Você sabe, meu caro amigo, que não existe ninguém no mundo que tenha tudo que seu coração deseja. Na vida o homem corre atrás de três dádivas: ter filhos, ser rico, viver até uma idade avançada.
“O Todo-Poderoso já te acordou a riqueza e uma longa vida. Você não pode esperar também a terceira bênção, filhos.
“Entretanto, se você está convencido que prefere ter filhos, você deve estar pronto a renunciar a uma das outras duas dádivas”.
As palavras de Rabi Moshé-Guershon impressionaram profundamente Nahum . Isolou-se de todo o mundo, passou muitos dias estudando seu problema em silencio, esforçando-se para encontrar a resposta certa.
Finalmente saiu da sua reclusão e foi encontrar Rabi Moshé-Guershon dizendo-lhe que estava disposto a renunciar voluntariamente a uma das coisas que já possuía – a riqueza (seus negócios tinham prosperado de maneira extraordinária) ou a vida longa (já tinha mais de sessenta anos na época).
Quando Nahum informou a Rabi Moshé-Guershon a escolha que tinha feito, este lhe deu sua bênção desejando que seja feito de acordo com o desejo de Nahum .
Não tinha passado um ano desde a bênção do rabino e Débora notou um dia que estava esperando um filho, mas hesitava em dizê-lo ao marido. Estava preocupada com a idéia que a criança poderia ter a mesma sorte que as infelizes crianças do seu primeiro casamento.
Transcorridos três meses, Débora decidiu que não poderia esconder por mais tempo o fato de estar grávida e que seria bom dar a notícia ao marido.
Foi falar com ele com alegria, contou a boa nova, mas escondeu seus temores.
Ele também recebeu a notícia com muita alegria, embora isso significasse que ele morreria em breve. Ele lembrou que Rabi Moshé-Guershon lhe havia oferecido a escolha entre três dádivas: vida longa, riqueza ou uma criança.
Bem, seus negócios estavam mais prósperos do que nunca e eis que uma criança se anunciava, D’us seja louvado. Isso significava, evidentemente, que ele encontraria em breve o Dispensador da vida ou da morte.
Não disse nada à esposa que amava e à qual não queria causar tristeza, mas outra vez se retirou para seu antigo hábito, passando sua vida solitário, na oração, na contemplação e no estudo.
Nahum se retirou completamente da sociedade e dos seus semelhantes e consagrou todo seu tempo à “Teshuva”, preparando-se para deixar a vida aqui em baixo.
Ele enfraquecia cada vez mais; mas quando saia do quarto para ir ver Débora, procurava agir como se nada estivesse acontecendo.
Sua morte ocorreu rapidamente, para a grande pena da sua esposa amante e para a grande tristeza dos judeus de toda a comunidade de Vitebsk, que deploraram a morte deste grande personagem.
Quando a gravidez chegou a termo, Débora teve uma menina que chamou Nechama, pelo nome do seu marido Nahum .
Nos termos do seu testamento, a fortuna e os bens de Nahum foram divididos em três partes, a primeira destinada às obras de caridade, a segunda à esposa Débora, e a terceira à criança.
Ele também deixou uma carta lacrada que só deveria ser aberta no dia que seu filho alcançasse a idade de “Bar Mitsvá”, não antes.
Débora criou a filha como ela mesma o fora, dando-lhe mestres particulares para que possa instruir-se na Torá, como ela mesma era. Vigiava sua educação em geral para que se tornasse uma digna filha de Israel.
Durante este tempo, Débora continuava dirigindo os negócios do defunto marido com o mesmo sucesso que antes e distribuía esmolas generosamente.
Fazia agora vinte e cinco anos que tinha chegado a Vitebsk e tinha havido uma grande melhora da população judia da cidade, no sentido espiritual e cultural.
Tinha muitos mais Talmud Torá e o número dos estudantes da Ieshiva tinha crescido enormemente. A maioria vinha da própria cidade ou dos distritos vizinhos.
A cidade tinha também atraído um número bastante grande de sábios.
Entretanto, o que era notável era a incrível mudança que ocorreu entre as mulheres de Vitebsk! Agora todas eram capazes de “davenenn” (rezar), e com a ajuda do “Tseena-Ureena” e de outros “Techinot” em Idishe, tinham adquirido um conhecimento cada vez mais profundo sobre assuntos judaicos importantes.
Quando chegou a época do “Bar Mitsva” de Nechama, abriu-se a carta lacrada que seu pai havia deixado antes da sua morte e foi então que se tomou conhecimento que Nahum sabia que ao receber a graça de ter um filho para continuar seu nome depois dele, estava condenado a morrer.
A carta estipulava que Débora deveria instituir uma Ieshiva no nome do seu filho e que o custo da sua construção e da sua manutenção seriam retirados dos fundos de herança da criança.
Foi assim que em 5457 (1697), construiu-se uma Ieshiva na parte de Vitebsk conhecida como “o lado Grande”, e foi chamada “a Ieshiva de Nechama, filha de Rabi Nahum Tevels”. As mulheres, em geral, a chamavam “a Ieshiva de Nechama, filha de Débora”, em homenagem à popularidade bem merecida da viúva Débora.
Entre os sábios famosos que vieram a Vitebsk em torno desta época, encontrava-se Rabi Simcha-Zelig, também conhecido como o “Gênio de Stavisk”.
Ele tinha passado dez anos na solidão para poder consagrar-se inteiramente e exclusivamente ao estudo da Torá.
Ele foi designado chefe da Ieshiva acima citada e em menos de dois anos, havia cento e trinta estudantes que assistiam aos cursos da mesma, o que era muito satisfatório, tendo em vista as circunstâncias.
Entretanto, Rabi Simcha-Zelig não ficou muito tempo à frente da Ieshiva, preferindo voltar à sua vida de solidão, consagrando todo seu tempo ao estudo da Torá.
Apesar da ascensão espiritual de Vitebsk, a cidade não podia ainda ser comparada com Minsk como centro de Torá, nem com Slutz ou Brisk e certamente não com Wilno, que era conhecida desde essa época como a capital do estudo da Torá.