Coragem
B’SD
Muito duro!
ou muito trabalho!
Era uma dessas quintas feiras à tarde de angústia: na minha lista de preparativos para o Shabat, das “coisas a fazer”, eu podia destacar que tinha ainda dezessete anotações.
E foi neste momento que meu marido me propôs sair. Ele tinha um tempinho para me acompanhar até Cfar Chabad para comprar os sapatos que nossa filhinha precisava.
Eu não estava verdadeiramente entusiasmada. Na verdade essa compra poderia esperar, enquanto que o Shabat, ele, seria amanhã! Meus gêmeos de três meses deixei aos cuidados de uma baby-sitter e subimos logo no tanque de Mivtsaim dirigindo-nos a Cfar Chabad e à loja de sapatos.
Vocês sabem disso, em Israel é comum oferecer voluntariamente carona: os ônibus são tão esporádicos em certas regiões! Foi assim que três moças se juntaram a nos no trajeto. Uma delas me chamou quase que imediatamente a atenção por que ela parecia diferente.
Americana? É o que fazia pensar a sua calça jeans de veludo azul. De qualquer maneira, ela não parecia para nada uma residente ou uma estudante das redondezas. Que poderia ela estar fazendo por aqui? Nossa cidadezinha não tinha a vocação de atrair turistas.
Logo logo ela me contou que tinha vindo ao Beit Rivca, o seminário de moças. Não tendo encontrado nada para principiantes nem nada além disso que se adapte à sua idade (ela tinha uns trinta anos e parecia ter dezoito ou dezenove anos) ela tinha ido embora.
O diretor do Beit Rivca lhe havia recomendado o Machon Alta, em Tsfat (uma escola para principiantes sob a direção Chabad, onde todos os ensinamentos são ministrados em inglês) mas ela não sabia bem o que fazer.
Respondendo às minhas perguntas, ela acrescentou que estava indo a Jerusalém mas que não pensava que alguma coisa realmente a esperava por lá. Uma imagem se impôs no meu espírito: “o judeu extraviado”.
Ao mesmo tempo, uma voz interior me disse: “convide-a!”. Mas me deixem explicar-lhes. Eu hesitava, sim. No final da minha gravidez dos gêmeos, eu havia ficado de cama por ordem médica. Depois do parto, eu me encontrara com, além dos gêmeos, três outras crianças com as idades de cinco, quatro e dois anos.
É claro, eu tinha ajuda em casa mas sobrava ainda muito mais trabalho do que eu podia. Ter um tempinho livre me parecia um sonho longínquo. Eu vivia sob uma tensão perpétua: prever a tempo as refeições corretas, a roupa limpa, uma casa razoavelmente arrumada e ao mesmo tempo, manter a minha saúde psíquica.
Graças a D’us, meu marido me ajudava da melhor maneira que podia e tinha uma contribuição ativa no cuidado das crianças. Foi pensando em tudo isso que me dei conta que esta saída era para mim, a primeira em cinco meses.
Senti que este encontro era, na verdade, uma Providência Divina. Convidei a moça. Por um lado continuei me perguntando se não tinha acabado de fazer uma besteira, mas pelo outro, estava certa de ter agido bem. É claro, as quintas feiras de noite eram especialmente febris: cozinha com vistas ao shabat, o banho das crianças, lavar roupa...
Mas senti que seria bom para ela passar um tempo numa família religiosa. Não importava mais que eu estivesse ocupada.
Meu convite foi aceito: seria bom, disse a moça, falar...
Às oito horas da noite os filhos maiores estavam de banho tomado e foram deitar. Flora, era o seu nome, nos ajudou a dar de comer aos menores.
Flora tinha trinta e três anos. Ela tinha terminado seus estudos há dez anos. Seu noivo quis casar com ela, mas ela não estava pronta para aceitar tão rápido as “correntes” do casamento. Ela queria viajar, dançar, fazer artes, “aproveitar da vida”. “Este objetivo, havia sido alcançado?” “O vazio!” respondeu Flora.
Eu fiz tudo o que queria fazer durante dez anos e só encontrei o vazio. Meu noivo de então está casado hoje. Todas as minhas amigas do colégio também. Estou sozinha. Gostaria de ter uma família, eu também. Tive vários endereços em Manhatan durante todos esses anos. Mas no fundo só conheci a solidão neles. Minha vida me parece vazia. Em breve serei velha demais para ter filhos. No último verão passei dois fins de semana em Crown Heights, nos Lubavitch. Essa gente de lá me pareceu tão equilibrada! Me deu vontade de ser como eles.
Falamos até meia noite: seu leit motiv, “é tão duro”, ecoava no meu espírito. Eu também, estes últimos meses, tinha pensado que era duro. Duro de manter a casa, duro se virar mantendo o equilíbrio apesar de todos as obrigações.
Às três e meia da manhã, os gritos dos bebês me acordaram. Enquanto eu lhes dava de comer, ouvi Flora andando pela casa. Pela manhã fiz a observação e lhe perguntei se a cama não era confortável. “Não é a cama”, respondeu, “é que me custa dormir!”
Sexta feira pela manhã telefonei para uma amiga em Tsfat e combinei para que Flora passasse o shabat na casa dela, na esperança que se decidisse finalmente a fazer o Machon Alta. Expliquei-lhe como chegar, dei-lhe comida para o caminho e minhas preces para que ela encontre logo o seu caminho.
Minha sexta feira foi tão ocupada quanto todas as outras, talvez até um pouco mais por causa do tempo passado na véspera com a flora. Mas meu humor estava bom. Não estava nervosa: na hora de acender as velas, tudo estava pronto.
Alguma coisa que Flora me dissera na noite passada trotava na minha cabeça como uma lengalenga, como um disco rachado. “Tenho ciúmes de você”. “Você possui tudo o que eu desejo. Meu sonho é ter um marido atencioso, uma família, uma casa e um Shabat para preparar. Minha vida está tão vazia e as de vocês estão tão cheias!”
Como se queixar daqui por diante! Meu trabalho? Era só a expressão da Bênção Divina. E como não ver também, a Santidade deste trabalho: criar a geração que ia acolher Mashiach!
Vocês talvez se perguntem o que aconteceu com a Flora. Infelizmente nem todas as histórias têm um final feliz. Flora nunca foi a Tsfat e perdi todos os rastos dela. Mas mesmo se, infelizmente, não pude fazer nada importante por ela, ela certamente fez muito por mim. Ela deu outra perspectiva à minha vida. Fiz a mim mesma uma promessa, não direi mais “minha vida é tão difícil” direi “estou tão ocupada, obrigada meu D’us!”